Adonis cresceu numa família de 6 irmãos. Ele e mais 5. Todos homens. Isso já era raro de acontecer no Brasil durante os anos de 70/80. Mesmo no Nordeste. Mesmo no Recife. Interior do Recife. Homem macho. Não chora. 

Ele cresceu em meio a esse ambiente. Os irmãos jogavam futebol juntos. Nem todo mundo levava o mesmo jeito pro gingado, é claro.  

Adonis achava que era o melhor deles. O melhor dos dribladores. Liso, rápido. Ensaboado como se tivesse tomado banho sem se enxaguar. Difícil tirar a bola dele. 

O posto era pra lá de questionável. Leandro, o irmão do meio, não tinha o mesmo talento para drible, mas era muito melhor em leitura de jogo. Marcava melhor e tinha visão de jogo, era capaz de lançar no ponto futuro. Às vezes sem olhar.  

Pra mim não tinha discussão. Leandro era melhor. Mas no fundo isso não tem a menor importância, não vale a pena estender-se nesses detalhes. Até porque nenhum deles virou jogador profissional. 

Adonis trabalha com TI, que naquela época ainda se chamava analista de sistemas e computação. Tentando uma vida melhor, mudou-se para São Paulo, capital.  

Normalmente quando se fala em “tentar uma vida melhor”, a intenção é se referir a uma vida mais abastada financeiramente. O que não é necessariamente melhor. São Paulo era bem mais poluído, sendo o ar, portanto, mais estranho aos pulmões. As pessoas trabalham mais e conversam muito sobre isso sobrando, portanto, menos tempo para peladas.  

Além disso, Adonis estava longe da família, o que também não é muito agradável. 

Logo que pôde, nosso protagonista sossegou o facho e contraiu núpcias, dividindo a cama de casal com uma paulista do interior. Mara. Advogada. Concursada.  

Adonis chegou a pensar em replicar a família grande que tivera ao crescer, mas Mara cortou logo as asinhas do marido: “1 filho no máximo, Adonis! Os tempos são outros! Aproveita bem o 1º que vai ser só ele!” 

O raciocínio dela fazia sentido. Hoje em dia é preciso dar mais atenção ao filho, pois ele não tem vida social tão intensa. E não só é isso, é preciso investir mais em educação, pois se seu filho de classe média não for competitivo no mercado de trabalho, ferrou. Vai ser substituído por uma IA que não reclama e nem sente a falta dos irmãos que nunca teve. 

Gasta-se mais tempo e dinheiro com rebentos. Até com fraldas gasta-se mais dinheiro do que antigamente. E hoje dificilmente há mães que não trabalham. A mulher vai pra batalha pro mercado de trabalho, e nem pensa na possibilidade de ficar fazendo projeto pra escola de criança porque o sistema solar do filho vai ficar muito feio. 

Quando 1 não quer, 2 não têm mais de 1 filho. Assim o é, ou ao menos deveria ser. Métodos anticoncepcionais e confiança nos parceiros estão aí pra reforçar o meu argumento. 

Dessa forma, só tiveram 1 mesma: Maria Eduarda. Era chamada de Maria mesmo, difícil criar um apelido que pegasse. Madu era um pouco masculino e foi rechaçado pela garota. Maduda era mais feio ainda, quase um cacófato.  

Como não deu pra ter mais de 1 rebento, Adonis fez questão de manter outras tradições que viu ao crescer. Quando a menina fez 15 anos, ganhou a opção de escolher: “você quer um baile de debutantes ou ir pra Disney?” 

- Tá doido? – respondeu Maria, educadamente – Que mané baile de debutantes? Tá querendo me apresentar pra sociedade pra eu casar? Sai dessa! Só vou casar depois dos 30! 

- Então você vai querer ir pra Disney? 

- É óbvio, claro e ululante! 

Com essa certeza de Nelson Rodrigues na resposta, o pai já viu que a parada era séria. Reservaram 7 dias para ficar em Orlando e foram os 3 passear nos parques. 

Maria quis ir primeiro ao Universal Studios, considerado o mais punk por aqueles que entendem de parques. 

E realmente era.  

O Simulador do Transformers era bem fiel aos filmes da franquia: muita explosão, bateção de carrinho para cá e para lá e estória, que é bom, nada. 

Com as pancadas que atiravam a coluna de um lado para o outro, Adonis descobriu que possuía algo de que nunca tinha ouvido falar: “motion sickness”. O que quer dizer, basicamente, que quando atiram seu centro de gravidade atabalhoadamente de um lado para o outro - como se fosse um drinque chacoalhando na coqueteleira profissa do bartender – algo de estranho acontece com o seu corpo. Você fica enjoado, tonto e com ânsia de vômito. 

Mas a “criança” de 15 anos não queria ir sozinha! Queria ir com o pai, é lógico! E o pai tinha que participar! Ser mãe é padecer no paraíso, mas ser pai é ser chacoalhado na coqueteleira.  

Pedir para ficar de fora não estava na mesa. Afinal de contas, homem não chora e também não pode ter outras frescuras.  

“Revenge of the Mummy”, montanha russa do Harry Potter, e assim o dia foi passando, e Adonis ficando cada vez mais branco, em pleno caminho do albinismo.  

“Mas não é possível!! Como é que a galera curte essa coisa horrível?” 

No 2º dia Maria quis ir no Magic Kingdom. Adonis pesquisou a respeito na internet no dia anterior e sentiu algum alívio. Afinal, Magic Kingdom era um parque predominantemente infantil.  

Ledo engano. Space Mountain, uma montanha russa no escuro, e Tron, um simulador de moto com mais luzes do que um jogo moderno de videogame, acabaram com o sossego do Pobre coitado do Adonis. Nesse dia ele chamou o Raul 3 vezes no banheiro. Não houve Dramin que resolvesse. 

 “Mas não é possível!! Como é que o pessoal se sujeita a esse suplício?” 

No 3º dia, Maria quis ir no parque de águas. Adonis respirou aliviado. Agora sim, eu descanso. 

Ele só esqueceu de combinar com o tempo. Chovia e ventava, de forma a atacar o organismo de qualquer um que insistisse em ir nos brinquedos. As atrações até eram mais tranquilas do que as dos outros parques. 

Mas... Como nada é perfeito, tava lá novamente o aviso do “motion sickness”. Dessa vez Adonis ficou branco só de olhar. 

Depois de mais vômito no banheiro, Adonis continuava a reclamar com a esposa: “Mas não é possível!! As pessoas pagam pra fazer isso! Pagam! E pagam muita grana!!” 

A viagem terminou, mas Adonis continuou sem entender nada.  

Gostou do fato da filha ter curtido, mas depois desse evento nunca mais ele conseguiu olhar para um Bartender preparando um drinque.  

E o pior não foi isso. 

Assim que chegou em casa, ele disse que não suportaria mais a volatilidade da bolsa. Que não tinha perfil. Vendeu toda a sua carteira de renda variável baseada num ótimo relatório de ações que ele assinava e comprou tudo de renda fixa. 

Não satisfeito, ele quis pegar uma renda fixa maior do que o normal, pra compensar o rendimento maior que ele não teria na bolsa a longo prazo. Resultado, comprou 70% do patrimônio de um CDB do Banco Master que pagava 135% do CDI. 

O resultado é óbvio. Perdeu mais de metade do patrimônio, acumulado em 20 anos de investimento, e tá na fila pra receber restituição do FGC – que só pagaria uma fração daquilo que ele tinha. 

Analisar seu próprio perfil de investimento é muito importante. Se um investimento faz você dormir mal durante um mês e você já se informou a respeito, faz sentido sair dele. Saúde é o mais importante. 

No entanto, Adonis misturou alhos com bugalhos, montanha russa com volatilidade de bolsa e deixou de fazer algo que funcionava muito bem há quase 20 anos.  

Arrependido, nosso protagonista reconheceu o erro e voltou pra bolsa, com uma carteira diversificada. Mas só ficará com 40% do capital original – isso se o FGC pagar toda a grana.  

Na medida do possível, não deixe a emoção interferir com a razão. 

É importante um bom planejamento financeiro e uma graninha separada pra levar a família pra viajar. Mesmo que você não queira ir pra Disney novamente.