A que (m) o FII serve?

Por Rodrigo Medeiros

21/12/2023 06:17


A que (m) o FII serve?

O meu artigo no relatório do DesmistificandoFII de 17/12/2023 propondo uma longa reflexão sobre eventuais ancoragens que um FII pode fazer de outro FII, sendo ou não da mesma Gestora ou do mesmo grupo empresarial, acabou gerando uma grande repercusão entre os investidores. 

 

Nas redes sociais muitos investidores pediram para que deixasse o artigo aberto para que pudessem ler e entender o que eu tinha escrito.  

 

Tendo em vista que o meu objetivo é trazer reflexões para o mercado, sejam investidores, sejam profissionais do mercado, concordei com os meus seguidores das redes sociais e deixo, neste momento, o artigo aberto para todos lerem, exatamente da forma como foi escrito, sem mudar nada. 

 

Uma boa leitura. Caso goste, lembre de compartilhar com os amigos.

 

 

Esta semana o nosso relatório está longo. Sim, eu sei, normalmente ele é longo, mas esta semana ele está especialmente longo. E digo mais, escrever o relatório esta semana não foi muito prazeroso em alguns momentos, na verdade foi até frustrante em alguns momentos.

 

Ao longo da semana, na medida que os documentos iam sendo lidos e escritos, pensava em como escrever um texto inicial aos meus assinantes de forma a mostrar um pouco da minha visão, mas sem assustar exageradamente os novos investidores. Como escrever de forma a proporcionar um momento de reflexão para as dezenas de gestores que fazem a leitura do relatório semanalmente, mas sem parecer que eu sou o fiel da balança do que é correto ou do que é o melhor para o mercado, pois nunca tive e não pretendo ter este nível de arrogância.

 

Sinceramente, acredito que não cheguei ao melhor formato, mas estou convencido de que o texto precisa ser escrito e espero conseguir proporcionar reflexões importantes para investidores e profissionais de mercado.

 

Como não cheguei no melhor formato, vou direto ao ponto.

 

Afinal, quem é o dono do FII? O cotista ou o Gestor? Quem é o cliente do Gestor, o cotista ou algum outro participante do mercado? Pois, parece que de tempos em tempos o mercado se perde nessas questões. São emissões abaixo do valor patrimonial e sem gerar valor para o fundo, alavancagens feitas com o objetivo de crescer o fundo e sem medir os riscos envolvidos, imóveis sendo comprados caros só pelo fato de terem RMG, estruturas financeiras sendo montadas para claramente dar saída ao imóvel do vendedor, mas que em algum momento vai gerar problema para o cotista e assim por diante.

 

Bem, mas o ponto principal desta carta são as ancoragens de emissões. 

 

Ancoragem de FIIs por outros FIIs, sejam da própria gestora, sejam de outras gestoras. Algo que acontecia aqui, acontecia ali, mas parece que está se perdendo a vergonha de fazer e muitas vezes o interesse final não parece ser gerar valor ao cotista, mas às Gestoras.

 

Não é de hoje que vemos esta situação acontecer, uma Gestora usa o seu fundo para ancorar uma emissão de outro fundo da sua própria Gestora, como forma de viabilizar àquela emissão. Evidentemente que sempre quando perguntado, o Gestor poderá dizer “fizemos uma alocação tática em um fundo que conhecemos bem e entendemos não haver outra opção melhor no mercado no momento”, ou algo do tipo.

 

A verdade é que nunca poderemos dizer que o objetivo real era mesmo colocar de pé mais um fundo da casa e crescer o patrimônio sobre administração da Gestora, ou seja, focando os objetivos de crescimento da Gestora e de geração de taxas, afinal, não estamos lá acompanhando para afirmar isso.

 

Também não é de hoje que fundos de uma Gestora participam da emissão de fundos de outra Gestora, muitas vezes com uma clara aparência de auxiliar uma Gestora a colocar um outro fundo no mercado, pois os investidores em si não compraram tanto aquela ideia inicialmente. Aqui, também, quando perguntarmos a resposta será evidentemente algo do tipo “temos plena confiança na tese e da Gestão, acreditamos que a alocação neste FII vai proporcionar ganhos recorrentes e um possível ganho de capital no longo prazo”, ou algo do tipo.

 

Novamente, não temos como afirmar nada, não estamos lá e ...

 

Ok, não temos como afirmar, mas temos como comparar. Não, não vamos demonizar aqui o fato de um FII participar da emissão de outro FII, seja ou não da sua própria Gestora. Algumas vezes pode ser que faça sentido sim, o mercado pode estar um pouco saturado, em alta, e surge uma oportunidade na emissão. Mas isso não será a regra, isso será a exceção.

 

Ocorre que isso parece não condizer com o que escrevi na sequência deste relatório, sobre o ponto de desconto que os FIIs estão.

 

Temos uma quantidade considerável de FIIs com desconto e o que vemos? FIIs participando de emissões, pagando valores acima do valor de mercado daquele fundo, algumas vezes pagando taxas elevadas, algumas vezes comprando posições tão elevadas que seria impossível desmontar a posição sem desvalorizar a cota. Outras vezes comprando FII Cetipado, o qual não tem a menor liquidez no mercado secundário.

 

É verdade, não temos como afirmar que a transação não foi feita no melhor objetivo para os cotistas, mas podemos avaliar que a transação não fez o menor sentido, quando comparado com outras opções no mercado, e que há sim uma possibilidade de o Gestor ter deixado de lado os melhores interesses dos cotistas e passado a olhar apenas o seu interesse. O interesse de crescer a sua Gestora e passar a valer mais, quando comprada por alguém, ou simplesmente gerar mais taxas por mais fundos.

 

Aqui alguém poderia dizer “Rodrigo, mas isso não acontece quando um FII de uma Gestora participar do IPO de um FII de outra Gestora, pois são Gestores diferentes”. Não é bem assim. Qual o interesse de participar de uma emissão, pagando acima do valor patrimonial, pagando taxas elevadas, sendo que era possível comprar vários FIIs comparáveis com desconto? Estaria aquele Gestor auxiliando o outro Gestor a colocar o fundo de pé e, no futuro, quem sabe, poder contar com alguma ajuda em uma emissão?

 

Pois é, tudo é com “?”, pois não temos como afirmar nada. Mas evidentemente a pulga atrás da orelha vai ficando em nós investidores. Não tem como não ficar, especialmente com o aumento de casos que temos visto de fundos participando de emissões, mesmo com um mercado tão descontado.

 

E quando isso acontece, o que vemos são os Gestores perdendo o foco na geração máxima de valor ao seu cotista. Isso mesmo, não adianta justificar com “estou gerando valor”, pois o que o cotista espera é a geração máxima de valor.

 

E o que os investidores começam a especular? Que o Gestor trata o fundo como se fosse dele e não dos cotistas. O fundo está lá para atender aos interesses de sua empresa, gerar taxas, gerar valor para a sua empresa, e, claro, também gerar valor para os cotistas. Mas não deveria ser assim, deveria ser: gerar valor aos cotistas e, consequentemente, gerar taxas e, consequentemente, gerar valor para a Gestora. Mas, algumas vezes parece que o mercado tem invertido essa ordem e isso deixa muitos investidores incomodados.

 

Como eu disse no começo deste texto, eu não sou o “fiel da balança” do mercado, com certeza não sou, mas uma coisa eu sei, os FIIs são dos cotistas e estão lá para atender aos interesses desses, servir de um instrumento de sua poupança no mercado imobiliário, exatamente como constou na exposição de motivos da Lei 8.668/93 (Lei dos FIIs) “instrumento jurídico que proporcionará segurança à iniciativa empresarial e ao público que direcionar sua poupança para o mercado de investimentos imobiliários.”

 

O mercado de FIIs é incrível. Quando lancei o DesmistificandoFII em 2015, com apenas 90 mil investidores em FIIs, eu tinha uma frase “o mercado de FIIs será a porta de entrada dos investidores na Bolsa”. E isso está acontecendo. Ver alguns fundos fazendo negócios que nos deixam em dúvida do real motivo para aquele negócio, gera desagrado e mina a confiança dos investidores neste mercado.

 

Bem, como eu disse no começo do texto, não consegui chegar ao melhor formato possível para este texto, mas entendo que ele precisava ser escrito. O objetivo é mostrar ao investidor para estar atento sempre aos seus fundos e às Gestoras, por isso gostamos tanto da ideia de acompanhamento constante. Sei que o relatório do DesmistificandoFII é por vezes longo, mas a sua leitura é de apenas 1h, na média, no máximo 1h30min. Um período que permite você realmente evoluir nesta escada do conhecimento.

 

Nossa função é mostrar ao investidor que ele não pode ser ingênuo quando se trata do mercado financeiro. É importante sempre estar atento aos detalhes, e aqui não vale só para FIIs, mas para qualquer investimento envolvendo o mercado financeiro. Como diria um professor que tive na faculdade, “lá o mais bobo fuma embaixo d’água”, então fique atento.

 

Aos Gestores, bem, a ideia seria propor apenas uma reflexão, com base na leitura que tenho feito dos fatos. Um investidor de FIIs desde 2009, um analista de FIIs desde 2015, alguém que ama de verdade o mercado de FIIs e fica realmente frustrado quando tem a sensação de que alguns profissionais podem estar mais focados em gerar suas taxas e comissões do que em gerar valor para os seus cotistas. E aqui não estamos falando apenas das ancoragens, mas de tudo que o mercado consegue produzir muitas vezes de coisas que destroem valor. O ano de 2023 já está sendo marcado por uma enorme quebra na confiança dos investidores de FIIs. Sim, muita coisa previsível, mas não deixa de minar a confiança dos investidores. Este investidor não precisa de mais motivos para minar a sua confiança com o produto.

 

Por fim, aos Gestores não posso deixar de fazer um comentário sobre a CSHG e quem sabe sirva de reflexão.

 

Lidamos diariamente com investidores de FIIs e eles estavam realmente desesperados com a venda da Gestora de FIIs da CSHG, a qual é tratada como uma das poucas que realmente respeita os investidores e gera valor aos cotistas. E quem está dizendo isso não sou eu, são os cotistas, são os investidores.

 

Na minha visão, essa confiança na Gestora foi criada de forma simples e objetiva: foco total no cotista, o resultado deve ser para o cotista. Se alguém duvida disso, vou lembrar só um episódio. Em meio à pandemia decidiram cancelar uma emissão do seu FoF e devolver os recursos aos cotistas, pois gerariam mais valor aos cotistas eles comprando as cotas do fundo no mercado, do que participando da emissão (sendo que já tinham subscrito as cotas). E este é só um dos exemplos. Pois é, será que os Gestores preocupados em crescer os seus fundos, ancorando fundo aqui, ancorando fundo ali, fazendo emissão abaixo do valor patrimonial, fazendo alavancagens assustadoras (não tenho uma palavra melhor para algumas coisas que foram feitas no mercado), teriam essa atitude? Parece que não. Pois bem, o resultado disso é simples, crescimento da Gestora, a qual acaba de ser vendida por algumas centenas de milhões. Muito respeito dos cotistas e dos investidores para as pessoas que estão lá.

 

Por fim (sim, dois por fim), aos investidores. Não, não desanimem. Ainda acredito que os FIIs são incríveis e são uma das excelentes formas de formarmos patrimônio e criarmos renda passiva. Eu tenho 50% dos meus investimentos em FIIs e seria difícil juntar aquele dinheiro novamente. O mercado de FIIs é incrível e se alguns Gestores conseguem ter olhos só para o seu umbigo (sua Gestora), muitos outros entendem que precisam olhar para os cotistas, sejam antigos, sejam novos.

 

O mercado de FIIs é incrível para o profissional do mercado financeiro e profissionais de altíssima qualidade surgem no mercado e fazem diferente, caso alguém deixe este espaço, como vimos a AF Invest, com o seu fundo AFHI11, mostrando foco total em seus cotistas, respeito a eles e inovando no mercado com emissões de custo zero. Um caso simples, são investidores de FIIs e sabem “onde o sapato aperta”. 

 

O objetivo aqui é apenas citar um exemplo e não citar várias Gestoras ou aquelas que entendo ter um destaque maior, pois posso esquecer de algumas, mas também posso citar alguma que hoje nos mostra um bom serviço e amanhã pode mudar completamente, como infelizmente teremos sinais ao longo deste relatório.

 

Assim, concluo esse longo texto com a resposta da pergunta do seu título, a que(m) os FIIs servem? Os FIIs servem aos seus cotistas e a mais ninguém, qualquer coisa além disso é consequência lógica, toda vez que trataram de forma diferente, deu errado.

 

Fiz esse texto ao final do ano de 2023, sendo nosso penúltimo relatório, para alertar nossos assinantes e investidores de FIIs de todo o mercado, para tirarem da cabeça aquela ideia de investir e esquecer seus investimentos, pois isso não existe. Investir não é diferente de outras áreas de nossas vidas, onde sempre devemos estar acompanhando e avaliando se aquele investimento, se aquela pessoa (Gestor), ainda nos gera confiança. Investir é estar em constante avaliação. E, se por algum motivo, o investidor não sentir mais confiança, não permaneça com o seu dinheiro naquele investimento. Investir é sempre estar em constante avaliação, nunca se esqueçam disso.

 

Desejo uma boa leitura do relatório a todos.

 

Espero que você tenha gostado da leitura. Caso gostou, compartilhe com os seus amigos. 

 

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